Alquimia é sobre a geração de uma construção psíquica, uma totalidade, uma coisa que tem muitas propriedades, que é paradoxal, que é mente e matéria, que pode fazer qualquer coisa. — Terence McKenna Terrence McKenna
Solve et Coagula, diziam os antigos Alquimistas. Significa “dissolver e coagular”, uma frase, que para o observador atento, faz alusão a um processo que ocorre em toda a esfera da manifestação. Aquele que analisa a realidade com extrema honestidade intelectual logo percebe que nada possui existência intrínseca, separada das demais coisas. Todo objeto de análise é composto por partes que se relacionam entre si. Até mesmo o que chamamos de uma pessoa, um indivíduo, não passa de um sistema composto de outros subsistemas, composto por infinitas partes, físicas/biológicas e psíquicas, modelo este muito bem apontado por tradições orientais como a budista.
Portanto, a própria existência é dependente deste processo de “dissolução” e “coagulação”, “destruição” e “criação”, “morte” e “nascimento”, o processo de decompor aquilo que era composto, para que ocorra postumamente um novo arranjo. A Alquimia, vista nos círculos científicos contemporâneos como produto da fantasia da mente de criativas mentes do passado, guarda, para aqueles com olhos treinados, sábias conclusões e insights.
Carl Jung foi um dos primeiros a desmistificar a “arte Alquímica”. Para ele, os alquimistas estavam falando em símbolos que representavam a “alma” ou a “consciência humana”. O ouro que os alquimistas estavam tentando produzir não era o ouro vulgar, mas sim o aurum non vulgi, ou o aurum philosophicum, o ouro filosófico. Eles estavam comprometidos com a criação do Homem Superior, com o aperfeiçoamento de suas naturezas. Conforme Jung disse certa vez, “As operações alquímicas eram reais, só que essa realidade não era física, mas sim psicológica. A Alquimia representa a projeção de um drama, drama este tanto cósmico quanto espiritual, em termos de uma operação de laboratório. O Opus Magnum, A Grande Obra, possuía como objetivo o resgatar da ‘alma’ humana.”
A existência humana, não diferente da existência de toda coisa manifesta, é absolutamente dependente do conceito dualístico de Solve et Coagula. O próprio conceito de existência só faz sentido em um contraste com o conceito de “não existir”. Mas não só a existência humana é dependente desta sábia colocação alquímica, mas também a experiência humana o é.
Conforme apontado anteriormente de forma breve, o indivíduo é composto por infinitas partes que se relacionam entre si, sejam elas partes físicas ou psíquicas. Você já tentou localizar onde se encontra “você”? Onde encontra-se o núcleo daquilo que você chama de “eu”? Não faz parte do escopo deste texto uma extensiva análise ontológica a respeito da natureza do Homem, ainda assim, é um interessante exercício. Nos atendo aos aspectos psíquicos que compõem a individualidade humana, podemos concluir que aquilo que você chama de “eu” não passa de um conjunto de sistemas de crenças, um conjunto de ideias, memórias, juízos de valores, em suma, diversas ideias e agregados psíquicos compõem aquilo que chamas de “eu”.
Ao longo da existência de um indivíduo, nada permanece estático. Ideias e crenças antigas dão origem a novas, quando as crenças antigas não mais são um modelo preciso da realidade, e isto ocorre quando as crenças de outrora entram em contato com a realidade e se mostram inaptas a representar a realidade percebida. Isto é Solve. É a destruição necessária para que venha ocorrer um novo Coagula. Passamos por momentos como este infinitas vezes ao longo de nossas vidas, estamos a todo momento praticando essa alquimia interna, dissolvendo os antigos e inaptos conceitos e crenças para que seja possível a aurora de novos conceitos e crenças mais precisos, capazes de construir aquilo que almejamos em nós. Estamos nos destruindo e nos construindo a todo momento, uma eterna epopeia alquímica.
E não só internamente na psique do indivíduo ocorre o processo alquímico de Solve et Coagula. A própria sociedade humana passa pelo processo. Arranjos antigos são destruídos para que possa vir a surgir novos e (nem sempre) mais adaptados arranjos sociais. O processo ecoa em toda a manifestação. A existência pressupõe tal processo, Solve et Coagula é uma premissa das coisas manifestas.
A realidade muitas das vezes nos inputa situações em que devemos aceitar a dissolução de um arranjo, tal é a natureza da existência. Ser um Alquimista é compreender a natureza da existência como ela é, compreender as leis que regem o universo e aceitar a dissolução de bom grado quando ela vir, pois lembremos, a dissolução é necessária para a criação, separar e juntar é o processo através do qual pode ocorrer coisa manifesta, é o processo que possibilita a existência e a evolução de sistemas mais adaptados e complexos. Portanto, compreender o conceito de Solve et Coagula é compreender a real natureza da existência, é lograr êxito em elevar a “alma”, a consciência humana ao nível da Correta Compreensão, e a correta compreensão é, na visão deste que vos escreve, o verdadeiro aurum philosophicum dos alquimistas, a Correta Compreensão e a Consciência de Ser fruto desta é a verdadeira Pedra Filosofal, o verdadeiro Ouro dos Filósofos. Portanto, meus companheiros, Solve et Coagula, e que seja realizada A Grande Obra.
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