Desmistificando o sexo anal e a inversão de papéis

 

Aproveitando o gancho do último capítulo da HQ - Boneca da Raan, gostaria de escrever um pouco sobre a prática do sexo anal. Quando se procura sobre o assunto na internet o que mais aparece é a respeito da fixação de homens em realizá-lo com as suas parceiras além de dicas para praticar, no entanto quero abordar também o outro lado da moeda, quando a mulher é ativa e o passivo é o homem.

Na história em quadrinhos já faz algum tempo que a Raan se admirou com a possibilidade de usar uma cinta peniana (cinta caralha ou strap-on), que é uma cinta com um pênis de brinquedo acoplado que possibilita a mulher de ser ativa (a prática é conhecida como pegging ou inversão de papéis), mas quando surgiu a oportunidade de comprá-la o sentimento de vergonha e de culpa atrapalhou o casal e eles acabaram recuando sobre a ideia. Afinal, qual é o problema?

Por que a prática ainda é um tabu?
Alguns estudiosos afirmam que há cinco mil anos a prática do sexo anal era natural na Mesopotâmia, inclusive fazia parte dos cultos religiosos dos Assírios. Registros mostram, também, que na Antiguidade, alguns casais usavam o sexo anal como método anticoncepcional. Na Roma antiga, na noite de núpcias, os homens se abstinham de tirar a virgindade da noiva em consideração à sua timidez, entretanto, praticavam sexo anal com ela. Na Grécia Antiga não existia os termos "homossexual" e "heterossexual", na verdade não haviam identidades sexuais como há hoje, naquela época um homem poderia ter relações sexuais com homens e mulheres, tudo dependia da beleza.

Por esse prisma é possível afirmar que o moralismo em cima do ato é um fenômeno recente e tem uma passagem da bíblia que ajudou a gerar bastante confusão. O 1 Coríntios 6:10 diz "Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus". A palavra "sodomia" ainda costuma ser relacionada com sexo anal, no entanto as interpretações mais modernas vêem como atos pecaminosos praticados pelos moradores da cidade de Sodoma presenciados pelos anjos quando foram convidados à casa de Ló, que inclui até um estupro coletivo entre homens, e que levaram a cidade às ruínas.
Sodom, álbum Mortal Way of Live (1988)
O Coríntio ainda fala sobre os efeminados, mas também há uma questão de falha na tradução pois na Bíblia de Jerusalém, que é atualmente a melhor tradução das Sagradas Escrituras visto que segue rigorosamente os originais adicionando introduções e notas científicas, ao invés das palavras "efeminados" e "sodomitas" foi utilizado “depravados” e “pessoas de costumes infames”, deste modo o argumento religioso vai por água abaixo.

Também há quem diga que "aparelho excretor não reproduz" (Levy Fidelix, 2014). Pra começar o ânus nem faz parte do sistema excretor, mas sim do sistema digestivo, e de fato o sexo anal não reproduz, no entanto se seguir por essa lógica o sexo oral, a masturbação, as preliminares e até o vaginal com proteção também deveriam ser culturalmente reprováveis. Portanto quando se trata de sexo como uma busca exclusiva por prazer vale qualquer coisa quando existe o consentimento. Falando em consentimento, já que é o assunto do momento, gostei muito desse texto:
Outro tabu envolvendo a prática de inversão de papéis é que retira o homem da posição de dominante na relação sexual, o que pode ser reprovável em uma sociedade de cultura machista que espera que o homem sempre tome as rédias e seja o garanhão. Sem contar que muita gente ainda confunde prazer anal com homossexualismo, por isso muitos homens se privam dessa experiência (não sabem o que estão perdendo).

Prazer anal em homens e mulheres
A prática pode ser prazerosa para qualquer pessoa, porém existem diferenças biológicas nos corpos de homens e mulheres. O ponto comum entre os sexos é que ambos possuem terminações do nervo pudendo na região, responsável pelo prazer ao toque e à sensibilidade. A diferença ocorre pelo homem possuir um acesso à próstata (considerada o Ponto G masculino) pelo ânus, então estímulos tendem a ser mais prazerosos para eles e podem, por si só, provocar ejaculação. A mulher depende de estímulos concomitantes no clitóris, lábios vaginais e/ou do ponto G vaginal para obter a mesma satisfação (lembrando que varia de pessoa para pessoa em todos os casos, até existem mulheres que obtêm orgasmos apenas com a penetração anal).

Considerando a predisposição biológica ao prazer e a tendência dele ser mais intenso em homens é preciso refletir sobre o assunto de forma aberta, de modo que a excitação anal não seja confundida com homoafetividade. Se uma mulher estimular a região anal do seu parceiro heterossexual introduzindo o dedo ou algum objeto o prazer será sentido por ele, logo não faz sentido relacionar o prazer anal com a homossexualidade pois que o que torna um homem homossexual é apenas o gênero de quem está se relacionando com ele.

Partindo para a ação
Uma pessoa que tem vontade de provar estímulos na região anal deve ser honesta com o seu(ua) parceiro(a). Precisa falar sobre seus desejos e saber se ele(a) toparia. Quem recebe a sugestão só deve aceitar se sentir-se confortável com isso, caso contrário não será satisfatório se um lado fizer algo que repudia apenas para agradar o outro. Assim pode-se dizer que a prática requer um bom nível de intimidade e confiança, então confira algumas dicas para aproveitar melhor a sua experiência:

Preparação é necessária. Todos sabemos que pela região anal circulam fezes, portanto merece atenção e planejamento. Se o seu sistema digestivo é regulado e você defecou antes do sexo é provável que não tenha surpresa, mas pode ser usado o enema (chuca ou ducha íntima) para uma limpeza do reto por segurança. Só um detalhe: não é recomendado a lavagem do reto com frequência pois pode matar a flora intestinal. Um banho antes também é bem vindo e evite ingerir alimentos que irritam o seu estômago ou que possam causar gases.

Estímulo e lubrificação. Estimular a região com caricias com a mão ou com a língua ajudam no relaxamento da musculatura e preparam para a entrada do pênis ou de um brinquedo. Vale lembrar que o ânus, diferentemente da vagina, não conta com lubrificação natural, então é bom usar lubrificante (de preferência espesso e à base de água) para a introdução e reforçar depois de um tempo. Evite usar pomadas anestésicas que podem esconder a dor quando a penetração está machucando.

Camisinha sempre. Sexo anal pode não servir para procriar, mas a falta de lubrificação natural incita a ocorrência de microfissuras na região do ânus e do reto facilitando a incidência de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Estima-se que o risco de contaminação com o HIV seja 18 vezes maior que no sexo vaginal, então pense bem antes de partir para o sexo sem camisinha.

A brincadeira pode ser suja. É recomendável usar lençóis escuros ou deitar-se sobre uma toalha, e não sinta-se mal caso a camisinha saia com sujeira (conhecem o ditado: pisou na merda, abre os dedos? hahaha, cabe certinho aqui). Aliás, nunca vá do sexo anal para o vaginal sem trocar de camisinha ou higienizar bem a área.

A pessoa penetrada deve estar no controle. Principalmente nas primeiras vezes quem deve controlar o ritmo, a profundidade e a posição deve ser a pessoa que está sendo penetrada para que a experiência seja a mais confortável possível e não cause ferimentos. Inclusive é bom combinar sinais que signifiquem "pare". Para as práticas mais hardcore é recomendável você já estar bem familiarizado com a experiência.

A posição favorece. Uma sugestão é começar com seu rosto virado para baixo, apoiando-se nos cotovelos e nos joelhos, em vez das mãos e joelhos, porque o quadril deve estar mais alto do que os ombros para facilitar o acesso de quem vai penetrar. Outra opção seria a pessoa penetrada estar de pé e inclinada sobre a cama ou, então, no estilo "cavalgada" para poder controlar totalmente a profundidade da penetração e o ritmo.

Brinquedos são bem vindos. Seja a cinta caralha citada anteriormente, brinquedos para casais ou para práticas solitárias, ambos podem proporcionar experiências divertidas. Só verifique se eles são apropriados para a região anal: a base deve ser achatada para que o acessório não entre demais e fique preso no seu reto (motivo do qual muitas pessoas vão frequentemente parar no pronto-socorro).

Mulher também pode "comer". A prática conhecida como pegging ou inversão de papéis possibilita para as mulheres a sensação de dominação e controle, o que é muito excitante para algumas pessoas e, por que não dizer, promove o empoderamento feminino. Dependendo do modelo de cinta também é capaz de estimular o clitóris ou o ponto G da mulher enquanto ela penetra o seu parceiro(a). No post sobre Feminização eu comentei sobre as mulheres dominadoras.

Aumente gradativamente. O tecido próximo ao ânus é sensível, então é importante ir devagar para não ficar com a pele irritada ou dilacerada. Antes de partir para o sexo com outra pessoa você pode começar colocando um dedo durante a masturbação, ir para dois dedos, ir para os brinquedos e aos poucos aumentando o diâmetro, dê um passo de cada vez até se sentir mais confortável.
Sem pressa. Não se engane com os vídeos de filme pornô, os atores tem preparo e forçam a cena para a filmagem. Na vida real você faz com calma, principalmente nas primeiras vezes. O ânus precisa aprender a relaxar com o objeto/pênis dentro, tendo em vista que ele está acostumado a expulsar coisas. Você pode começar numa noite colocando a cabeça do pênis/consolo. Na outra, o pênis todo, ainda sem mexer. E aí por diante, com muita paciência. É normal que o ânus se contraia, involuntariamente a qualquer toque, por isso as fases são fundamentais até que se sinta confortável com a prática.

Não era o meu plano publicar esse artigo exatamente no dia dos namorados, mas já que aconteceu fica a dica para vocês experimentarem algo diferente nesse ano ♥♥

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